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[ENTREVISTA] Alex Turner fala sobre esportes (L’Équipe)

Alex Turner foi entrevistado pela L’EQUIPE, o maior periódico de esportes da França, e, de fato, nada tem a ver com música.
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Alex Turner, vocalista dos Arctic Monkeys, um dos headliner deste ano no festival Rock En Seine (25 a 30 de agosto), fala a respeito de sua singular conexão com o esporte, moldado por uma paixão por Sheffield Wednesday [clube de futebol] e seu ex artilheiro, Chris Waddle.
Eles são os últimos representantes de uma gloriosa tradição. Tal como os Rolling Stones, The Who e The Cure que vieram antes deles, os Arctic Monkeys perpetuaram a lenda de um rock de guitarras inglesa incisiva e criativa, cujo eco está alhures pelo mundo todo. Esta banda de Sheffield foi responsável por Rock En Seine ter vendido todos os ingressos postos à venda para o dia 25 de agosto, quase que devido a seu nome em si. Naquela noite, os Arctic Monkeys incediarão o Grand Scène do parque do festival Saint-Cloud, graças, muito particularmente, a seu líder Alex Turner, com sua voz encantadora e carisma assombroso. Em meados de junho, este elegante crooner¹ de 36 anos concordou em fazer uma sessão de fotos no estádio Émile-Anthoine, perto da Torre Eiffel, e em responder a nossas perguntas por quarenta minutos num cômodo no Hotel Molitor, no 16º distrito. Nesta ocasião, Turner, bem-disposto e afável, falou da importância que atribui ao esporte à sua vida e trabalho.

Agora que você vive em Londres, após seis anos em Los Angeles, e passou parte do ano em turnê, que lugar tem Sheffield, sua cidade-natal, na sua vida?
É como uma memória distante, mas ao mesmo tempo está no meu coração. E quando não estou pensando nisso, eu me deparo com ela (ele revela uma tatuagem no seu braço esquerdo retratando uma rosa de Yorkshire e as palavras “Sheffield”). É gozado; quando eu fiz essa tatuagem eu só queria imitar um amigo que tinha acabado de fazer uma de girassóis. Eu nem pensei: “Essa vai ser uma ótima maneira de me lembrar de onde sou.” Mas, na realidade, foi exatamente isso que aconteceu.

Por ter crescido em Sheffield, você se sente compelido a apoiar o Wednesday ou o United, os principais clubes da cidade, e a ouvir aos artistas locais como Pulp, The Human League e Joe Cocker?
Para o futebol, sim; você tem de tomar uma escolha entre os dois clubes. No tocante a música, eu não teria tanta certeza porque, quando criança, eu não ouvia a The Human Legue ou Joe Cocker. Mas esse último ainda era presente na minha vida porque um dos nossos vizinhos tinha conhecido ele no British Gas, onde Cocker tinha trabalhado antes de estourar na música. Ele falava dele para nós…

Igual a Manchester, o povo de Sheffield tem orgulho de jogadores de futebol famosos e artistas que são de sua cidade?
Sim, por exemplo: as pessoas sabem que Sheffield é lar do clube de futebol mais longevo do mundo (Sheffield FC, fundado em 1857, jogando agora na Sétima Divisão). Mas, digamos, que este orgulho é, quiçá, mais discretamente demonstrado que em outras cidades que você mencionou. (Ele ri).

Quão importante foram os esportes para a sua juventude?
Eu fiz um tiquinho de bicicross [BMX] pra ser igual o Matthew (Helders, seu amigo de infância e baterista para os Arctic Monkeys). Mas ele era campeão demais na coisa enquanto que eu vivia caindo. Aí, pela idade dos 14, eu fiquei obcecado por basquete. Eu joguei intensamente por dois anos até um dia, com meu time escolar, nós acabamos perdendo um jogo de 82 a 10! Eu ainda consigo me lembrar do placar e da sensação de ser derrotado durante um jogo inteiro. Inesperadamente, eu percebi que nunca que eu jogaria na NBA… Isso me ocorreu muito cedo. Não foi me dado escolha; era o time da minha família… De fato, a primeira vez que fui a Hillsborough (o estádio onde as partidas do Wednesday era realizadas), estava comigo o meu pai e minha tia, logo após de termos visitado minha avó. Eu tinha sete anos e foi um grande evento para a família; todo mundo me dizia: “Este é um grande dia!”

Que memória você tem desta experiência?
Primeiro de tudo: eu estava muito impressionado pela visão panorâmica do interior de Hillsborough quando me aproximei das arquibancadas. Foi um choque visual e tanto, que às vezes eu penso a respeito quando vejo o interior de um estádio onde nós vamos para tocar concertos pela primeira vez.

E a partida em si?
Nós derrotamos o Liverpool de 3 a 1 (em dezembro de 1993). Eu me lembro do último gol do Wednesday, marcado pelo Mark Bright. Bruce Grobbelaar (goleiro do Liverpool) tinha ido pro lugar errado e Bright, com toda calma, marcou no gol vazio; foi aquele tipo de ação onde você sabe que vai ter gol bem antes de a bola ultrapassar a linha. Lá da arquibancada, foi emocionante. Eu me lembro, também, do barulho da multidão – o que me assustou um pouco, especialmente porque um fã do Liverpool, que não estava muito longe de nós na arquibancada ao norte, foi interpelado.

Você ainda acompanha os resultados do Wednesday, hoje em dia?
É claro que eu assisto. E se caso não, Jamie (Cook, o guitarrista dos Arctic Monkeys), que é o mais ligado em futebol entre nós todos, me mantém informado. Eu vi eles perderam de serem classificados na temporada passada (o clube, que está na Terceira Divisão, falhou nas semi-finais da classificação dos jogos decisivos). Espero que eles vão no próximo ano.

Em 2018, durante um concerto em NewCastle, você cantou duas músicas em homenagem a Chris Waddle durante a apresentação de ‘Mardy Bum’. Esta foi uma forma de celebrar sua trajetória no Wednesday?
Sim; e de fato ele estava jogando naquela famigerada vitória de 1993 sobre o Liverpool. Quando criança, eu tinha uma camiseta com o número dele nela. Eu amava a facilidade com a qual ele movimentava a bola. Mesmo hoje em dia, quando me sinto um pouquinho triste, eu às vezes assisto vídeos com os melhores passes dele para me animar… E aí ele estava na platéia e veio para nos ver no camarim. Vendo-o de frente, eu fiquei petrificado enquanto eu o ouvia contar histórias de seu tempo no Wednesday. Eu sabia o que lhe dizer…

Este amor que você e os outros membros dos Arctic Monkeys compartilham pelo Wednesday não é refletido na sua música. A única referência que encontramos é para combinar com a gravação que aparece na primeira versão do vídeo para ‘Don’t Sit Down ‘Cause I’ve Moved Your Chair’ …
Sim; talvez seja por causa da reserva do povo de Sheffield que eu lhe mencionei antes, o que nos diferencia da cidade que você mencionou e a banda de lá (aqui, ele faz uma divertida referência a Manchester e o Oasis, cujos membros com freqüência tem feito uma drama de seu pertencimento a Manchester City). Por exemplo, eu não me imaginaria tocando num show usando uma camiseta do Wednesday – isso seria artificial.

E também, as suas letras raramente fazem referência a esportes.
Sim, pois se precisa de referências que conversem com todos. Mas já me aventurei nisso algumas vezes, como na faixa One For The Road (de 2013), onde eu canto, “From the bottom of your heart, the relegation zone” [Do fundo do seu coração, na área do rebaixamento/relegação]. (Ele o disse em francês). Eu acho que as metáforas de esportes funcionam bem aqui, mas não são fáceis de se encontrar.

Os fãs de Manchester United alegam que quando vocês apresentaram a música ‘No. 1 Party Anthem’ (2013) ao vivo, você trocou a palavra ‘antenna’ [antena] por ‘Cantona’ conquanto você canta: “Leather jacket, collar popped like antenna” [Jaqueta de couro, colarinho estirado como uma antena].
Eu estava falando com um francês sobre futebol por vinte minutos agora e fiquei bem surpreso que Cantona² ainda não tivesse sido mencionado (Ele ri). Eu fiquei sabendo desse rumor. E, pra ser bem honesto, eu teria adorado se eu tivesse tido essa idéia de ter mencionado Cantona num título, mas eu não tive. Isso só mostra que eu ainda tenho um longo caminho à frente! De qualquer forma, eu não me arriscaria cantar o nome do Cantona durante um concerto por que eu o pronunciaria em inglês [britânico] e não soaria de modo algum com a palavra “antenna” e eu temeria que isso desandasse a música toda.

Outra de suas músicas que lidam com esportes de uma forma enigmática: ‘American Sports’ (2018).
Agora eu tenho que me lembrar da letra dessa música (nós lhe mostramos o texto no nosso celular e ele leu uma passagem em voz alta). “‘The trainer’s explanation was accepted by the steward!’ [A explicação do treinador foi aceita pelo comissário!], (Esta é uma frase que aparaceu com meu avô, referindo-se a sua paixão por corrida de cavalos. Certa vez ele anotou-a num pedaço de papel e me disse que ela soava bem e que eu deveria usá-la. Eu deveria ter creditado meu avô em American Sports! Mas agora eu tô pensando nisso parei pra pensar nisso, o ponto nevrálgico da música foi a observação de que há algo espetacular, explosivo até, no jeito os americanos organizam os esportes profissionais.

Neste título, parece que esporte é apresentado como o ópio do povo. Você acha que demasiada importância é conferida a noticiários esportivos?
Eu acho que não há uma boa resposta para esta pergunta. Pessoalmente, eu acharia difícil aderir a esta teoria porque eu passo mais e mais tempo assistindo a esportes na televisão; que seja tênis, F1 [Fórmula 1], futebol… Por exemplo, eu amei as exploradas do Real Madrid na Champions League na última temporada; foi empolgante de acompanhar. E no começo de junho, eu estava dando uma volta por Londres dizendo a mim mesmo: “Mal posso esperar para a Copa do Mundo de Futebol, eu sinto falta…”

Você tem alguma objeção com a Copa do Mundo do Qatar ser dar no fim do ano?
Não; é só que estamos acostumados a ser em junho e julho sendo ocupados pela competição a cada quatro anos que isso cria uma falta de atividade… De qualquer forma, eu não concordo com aqueles que dizem que esportes colocam as pessoas para dormir. Quando eu assisto a uma competição na TV, eu me sinto envolvido – eu vivo a coisa na sua plenitude. Já, pelo contrário, quando eu assisto a séries como estas na Netflix, eu tendo a perder a minha concentração.

Como você tem ido nos esportes hoje em dia?
Eu faço um pouquinho de corrida e, às vezes, eu faço treinamento de muay-thai (boxe tailândes). Eu descobri essa disciplina por voltar de uns 12 anos quando eu estava num clube noturno em Nova Iorque. Eu conversava com um segurança que era do norte da Inglaterra e ele me encorajou a treinar com ele. Eu gostei muito; é bom pro corpo e pra cabeça; durante as sessões você não pensa em mais nada. Mas eu tenho que ser honesto: eu nunca vou estar no nível para lutar um dia numa gaiola que nem um lutador do UFC… Em suma, eu não me destaquei em nenhum dos esportes que pratiquei.

Então você nunca será como Mick Jagger, que tem 79 anos e já vem fazendo ginástica todos os dias por anos para ficar o mais em forma possível…
Não, eu nunca vou ser como Mick Jagger. Mas estou trabalhando nisso do mesmo jeito (ele sorri).

 

Notas:
1 Crooner: cantor romântico, que cantava melodiosamente, característico dos anos 50
2 Cantona (Eric Cantona) ex jogador francês do Manchester United FC.

Data: 15/08/22

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