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Crítica de The Age of the Understatement por NME

Tradução de Crítica a The Age of the Understatement, feita pelo site NME em 2008, e texto comentativo de autoria do site como apoio interpretativo.

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Você ganha na loteria, certo, e qual é a primeira coisa que você faz? Você agenda todos seus camaradas no primeiro voo à Mauritius [praia, situado na África do Sul], compra uma lancha cheia de cerveja e gasta um mês vivendo como um irmão gêmeo e vagabundo de James Bond. É óbvio. E assim aconteceu com Alex Turner, com seus números musicais crescendo estrondosamente. Como líder dos Arctic Monkeys, ele pode fazer o que raios ele quiser, então naturalmente ele agarrou seu camarada Miles Kane, do The Rascals, telefonou pro “Cordas-Como-VC-Preferir” [Strings-U-Like, no original] para solicitar sua melhor orquestra de 22 integrantes e partiu pra França por uma quinzena para fazer meia hora de gravação com Scott Walker. Quem não gostaria?
Na primeira impressão, todo o conceito de The Last Shadow Puppets parece como uma boa brincadeira; um arquejo descartável ou um projeto vaidoso e petulante de uma estrela indie, apresentado com cada oportunidade que o rock tem a oferecer e entusiasmado por dar um ‘pezinho’ a seu camarada – um extravagante degustador de vinhos e bom aproveitador de feriados. Certamente, o disco transborda pura diversão de sua própria produção: violinos galopantes circundam e desfalecem como se eles estivessem em audição para uma produção do Fantasma da Ópera em Las Vegas; o produtor James Ford solícito franqueando batidas lounges na bateria e Alex&Miles trocando harmonias como ‘pombinhos’ da Eurovision¹ de 1972. Charmoso e brega em igual medida, que entornou avidamente da jovial, pop e fanfarrona faixa-título- uma progressão natural de ‘Do Me A Favour’, dos Arctic Monkeys, que parece ter saído ansiosamente de ‘Favourite Worst Nightmare’ para estirar suas asas – você fica a imaginar se eles escaparão de suas referências de Bacharach² de Yorkshire no álbum todo.

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De forma arrebatadora, é o que eles fazem; o que podia muito bem ter acabado numa paródia irônica sessentista sobre uma orquestra lounge-pop, chocalhos e batidas, por uma homenagem veemente e über-moderna ao exibicionismo imponente de Santo Scott e as trêmulas tensões de faroeste spaghetti de Ennio Morricone. Estes arranjos podem ser panorâmicos, revoltos e bombásticos, mas não há espaço pro artifício de um acampamento orquestral. A maior parte das faixas são tidas nos adornos de dois minutos e meio e são entregues com uma mordida frágil e enérgica raramente ouvida em tão antiquado estilo, antes lidado com uma espécie de lampejo, ferocidade e ameaça no período inicial dos Tindersticks. Quando nomes como Marc Almond, Elvis Costello ou (urgh) The Divine Comedy experimentam desse tipo de truque de clubinho de gananciosos, eles cedem e se azedam num minguau de copiadores de nostalgia. Pontuado aqui com acenos a ‘Banquet’, dos Bloc Party em (‘Only The Truth’), ‘Havana Gang Brawl’ dos The Zutons em (‘Black Plant’), e o viscoso som orgânico que The Horrors tirou de (‘Separate And Ever Deadly’) dos The Sonics, faz isso brilhar novamente. Possivelmente entre sorrisos maliciosos, Kane e Turner escalaram para dentro dos discos favoritos de seus pais e pixaram seus nomes no encarte, pois a velha música é notável e ridiculamente atual.
É riscada de forma mais ousada em ‘I Don’t Like You Any More’, a faixa-definição de The Age Of The Understatement. O refrão grandioso e clássico cheio do lamento de cordas abre caminho para um reflexivo verso de sintetizadores sinistros e oscilantes antes de o fuzzbox [efeito de som de distorção das cordas] aumentar e Miles — o esfomeado e rosnante aprendiz à confio do mestre-artesão Alex —cospe, cheio de bile, um maldito refrão de rock/punk sobre um romance fatalmente fraturado (o tema praticamente recorrente do álbum) que parece como um tanque de gasolina desgovernado batendo através dos bancos da Royal Opera House. Se esta é a mais óbvia esguichada nos cordões vermelhos do museu lounge/pop, noutros lugares eles debateriam seus materiais com mais reverência. ‘Black Plant’ apunhala entre as patinantes cordas de Avengers [banda] e fatia merda orgânica como se estivesse vomitando Mysterion; ‘Separate And Ever Deadly’ está preso em um tango mortal com`Jackie’, de Jacques Brel; ‘Calm Like You’ tinge um riso através da espinha desperta de ‘Delilah’, [de Tom Jones] e ‘My Mistakes Were Made For You’ é o que ‘Scott 2’ teria soado se eles tivessem contratado o baterista descolado dos The Charlatans.
Decorrido freneticamente pop durante maior parte dos 28 minutos, no entanto, é bem nas salvas de ‘Meeting Place’ e ‘The Time Has Come Again’ que TLSP recaptura perfeitamente a graça e glória de suas influências. Da tensa e refinada ‘Anyone Who Had A Heart’, [de Cilla Black] de outrora, para a pós-nova geração delírio, cheio de coros angelicais com violinos e trombetas, flutuando abaixo por uma cachoeira-festejante de escadas em espiral; por último uma balada lamuriosa, Turner tocando guitarra e, encharcado, abrindo caminho através da queda de confeti e serpentinas até o fim da festa do salão. “You stood between a fraying scene” [Você paralisa em uma cena de briga], murmura ele melancolicamente, como que um último extra deixado para a limpeza depois de ver um filme de Busby Berkeley [diretor]. Inacreditável!
Para uma brincadeira de duas semanas entre amigos, The Last Shadow Puppets é uma conquista incrível — um revigoramento moderno do arcaico, da linguagem musical morta. Nós rezamos para que TLSP não se torne o The Raconteurs de Alex — um segundo álbum na mesma vibe seria completamente supérfluo, talvez os rapazes façam “Skiffle”³ da próxima vez. Com as notícias do novo disco de Noel/Weller em vista, a falta de auto-indulgência e a exibição previsível aqui é um farol de bom senso no mundo ‘cheira-bunda’ das colaborações que masturbam seu próprio ego. Porém um ‘…Understatement?’ [‘…Meias Palavras’]? Ah, deixa pra lá.

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TEXTO DE APOIO E COMENTATIVO

Em 2008, os Arctic Monkeys tinham apenas três anos de carreira oficial, sendo cinco desde sua formação inicial em 2002, com Glyn Jones nos vocais. Com o sucesso seguido de seus álbuns com a banda, Alex Turner se uniu a Miles Kane para um álbum conjunto. Muitos consideraram que The Last Shadow Puppets foi como um pezinho ou um empurrão para a notoriedade de Miles Kane, uma vez que ele já tinha uma banda própria e seu debut, “Rascalize”, foi lançado dois meses após o debut de sua parceria com Turner. Arctic Monkeys estava em alta — Alex Turner estava em alta, propositalmente ou não, trabalhar com Turner era uma forma de se promover.
The Age of the Understatement é um álbum em suma experimental, com um pé no passado, que moderniza o antigo sem perder sua essência. As canções, com letras remetentes à era de ouro da Eurovision, tinham como caráter letras sentimentalistas e irreprimidamente românticas [I Don’t Like You Anymore, por exemplo]; porém na época de 2008, e mesmo hoje, tais letras são encaradas como piegas e/ou bregas. Somando-se a isto há os violinos, piano, instrumentos de sopro, guitarras e seus efeitos buzzbox, as baterias que dão um ar galopante em algumas faixas — remetendo a filmes faroeste. Outras bandas tentaram incorporar tais elementos, mas soaram incoerentes e apelativos, em grande parte por tentarem resgatar em muito um ar nostálgico e experimentarem ou incorporar nuances de modernidade.                                                                                                                                               
Os estilos de folk das longínquas décadas passadas, bem como jazz, blues e soul foram as grandes fontes de inspiração. Em grande parte enérgico, o álbum segue desgovernando, ágil com canções curtas, mas desacelera em alguns momentos, para momentos introspectivos. Nesses momentos, é onde está o potencial do álbum. Há momentos de devaneios, de melodias que associam-se a uma dança sincronizada, como citado a Busby Berkeley, diretor que tinha obras de caráter sensível e perfeccionistamente sincronizantes, como que uma valsa.
Por último, o texto ressalta a importância de criar música assumindo riscos em prol da liberdade artística e rejeita as parcerias intencionadas a alimentar um ego que já é grande o bastante. O álbum não é perfeito, mas é um grande feito na mescla do antigo ao moderno.

Notas da Crítica

1 Eurovision ou Eurovision Song Contest é um concurso anual, apresentado na Europa e por todo o globo, que revela novos talentos musicais e de entretenimento. Foi criado em 1956.
2 Burt Bacharach é um pianista e compositor norte-americano.
3 Um gênero de música folk com sabor de blues e/ou jazz popular dos anos 1950.

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