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Alex Turner do Arctic Monkeys decifra todas as músicas do Tranquility Base Hotel & Casino

Por Zackery Michael

 

O letrista e líder fala sobre as inspirações por trás do sexto LP da banda: filmes surrealistas, wrestling profissional, caminhões monstro, e mais.

Por Ryan Dombal

 

Alex Turner parece meio ansioso enquanto desliza no sofá de couro preto. Ele se inclina para frente. Ele se reclina. Ele se agita com um livreto preto e fino que contém todas as letras astutas e estranhas que ele escreveu para o mais recente, e inesperado, Tranquility Base Hotel & Casino. Ele me diz que esteve estudando para essa entrevista. Mais ou menos.

 

“Eu estava tomando café hoje de manhã pensando ‘eu vou pegar meu bloco de anotações e escrever o que eu quero dizer sobre cada uma dessas músicas’”, ele diz. “Quando a conta chegou, porém, só consegui lembrar o nome de cada faixa”.

 

O vocalista de 32 anos quer ser prestativo, mas como um rock star charmoso e reservado, ele também tem um tanto de misticismo para sustentar. Ao longo da nossa conversa, esse cálculo conflituoso
parece estar em ação durante as pausas que ele faz antes de responder a algumas perguntas. Ele pode ser pensativo. E incisivo. E aéreo. E frustrantemente boca-fechada, até nos tópicos mundanos, educadamente recusando-se a especificar quais programas de TV ele assiste ou quais aplicativos usa em seu celular. Então, novamente, buscar tais trivialidades o traria de volta à Terra, enquanto, mais do que nunca, o novo álbum o colocaria em outro lugar. Tranquility Base Hotel & Casino é uma aventura de ficção científica de um futuro não tão distante, onde a lua foi colonizada,
gentrificada e transformada em um resort de luxo. Turner e seus companheiros assumem o papel de banda da casa do hotel que dá nome ao álbum, mas em vez de oferecer os riffs de guitarra, tradicionais na banda, eles preenchem seu lounge retrô futurista com pop ornamentado, orquestrado, vintage e pesado com teclado inspirado em clássicos como “Pet Sounds”, dos Beach Boys, e “Histoire de Melody Nelson”, de Serge Gainsbourg. A coisa toda é inquietante e louca, como jogar um cigarro meio fumado em uma imunda cratera lunar. Então, é apropriado que nossa entrevista ocorra em um pequeno estúdio de gravação vazio que é tão assustadoramente calmo quanto
uma câmara de ar. O centro de Manhattan está totalmente vivo do outro lado de uma janela de dois painéis nesta tarde de maio, mas parece um mundo distante, como Turner reflete, cuidadosamente, sobre o significado de seu mais recente trabalho.

 

1 – “Star Treatment”

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Pitchfork: o primeiro verso do álbum, “Eu só queria ser um dos Strokes”, definitivamente atrai a atenção do ouvinte.

Alex Turner: quando eu escrevi esse verso, eu imaginei que voltaria a ele e que ele não terminaria na gravação. Mas quando eu voltei, senti que estava bem no lugar em que deveria estar por me fazer pensar “merda, os últimos 12 anos voaram”. Há uma honestidade e uma verdade nisso. O meu estilo de escrever se desenvolveu consideravelmente desde a primeira gravação, mas a franqueza desse verso – e talvez em outras letras desse álbum – me faz lembrar do jeito que eu escrevia no começo.

Pitchfork: Outra letra que se destaca na música para mim é: “Todo mundo está em um barco flutuando no fluxo interminável da grande TV”. Isso me fez pensar, você está naquele barco de imersão?

Alex Turner: Você não pode deixar de entrar no barco de vez em quando, mas eu gosto de ficar de olho nele. Na verdade, eu tinha o trecho antes desse, “Aqui não há lugar para bonecas como você e eu”, desde 2009. Eu até tentei fazer com que outra pessoa o colocasse em uma música, mas eles não gostaram dela. Talvez eu estivesse guardando porque eu não tinha o acompanhamento. Eu não estou tentando me esquivar da pergunta, mas não importa o quanto eu assista ou não TV, eu não entendo a ideia de um barco sem essa outra coisa que está na minha mente há muito tempo.

Pitchfork: Parece que a resposta escondida é que você é um grande fã da franquia The Real Housewives.

Alex Turner: [Risos] Certo. Não, não.

Pitchfork:  Seu personagem nessa música também canta sobre fazer uma espécie de residência em Las Vegas e a gravação toda tem essa pegada calma, como uma versão submundo de um típico show de Vegas.

Alex Turner: Eu gosto da ideia de um submundo, não necessariamente em Las Vegas, mas em algum lugar em minha imaginação, e essa ideia me ajudou a escrever as letras no disco. Eu também canto sobre a “polícia martini” nessa música, e havia algo nessa melodia com aquelas palavras que me divertiam; Eu comecei a me perguntar se esse é o nome certo para a banda que tem a residência na boate da música. E a melodia dessa parte me lembra a [banda] Toto – mas não sei por que estou compartilhando isso com você.

 

2 – “One Point Perspective”

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Pitchfork: Nessa faixa, você canta “eu já toquei em lugares silenciosos como esse antes”, o que parece se encaixar na cena em que você está definindo – talvez seja uma residência que perdeu o brilho. Ao mesmo tempo, quando penso em vocês tocando algumas dessas novas músicas relativamente estranhas e moderadas ao vivo…

Alex Turner: … Pode muito bem acabar sendo um um lugar silencioso, sim. Isso é interessante. Nós tocamos essa música outra noite no Hollywood Forever Cemetery, e cantar “eu toquei em lugares silenciosos como esse antes” em um cemitério foi algo que eu fiquei feliz por poder fazer. Obviamente, eu não sabia que íamos acabar em um cemitério quando eu a escrevi, mas senti algo assim no horizonte. Na minha cabeça, todo o verso, toda a música – talvez até o álbum inteiro – apenas mostra a ideia de tocar em um lugar silencioso.

A coisa do lugar silencioso também tinha algo a ver com o fato de que, em muitas das gravações de voz para o álbum, eu era a única pessoa no prédio, sentado lá com meu microfone e gravador, escrevendo letras. Isso talvez me permitiu fazer coisas que eu não teria feito em outro lugar. E oitenta por cento do tempo, incluindo nesta ocasião, esses são os vocais que mantivemos para o disco.

Pitchfork: Você também canta alguns versos irônicos sobre amar um filme inventado chamado Singsong Around the Money Tree – “este documentário impressionante que ninguém mais viu infelizmente”.

Alex Turner: Eu sinto que muitas vezes eu estava ouvindo conversas que foram ao longo das linhas de “Você assistiu isso e aquilo?” Eu faço isso também, eu sou apenas humano. Quando eu estava escrevendo este disco, eu estava ligado a esses três filmes de Jean-Pierre Melville – Un Flic, Le Cercle Rouge e Le Samouraï – que estrelam Alain Delon e têm um clube de jazz no centro da história. E os clubes nesses filmes eram, com frequência, muito obviamente sets de filmagem, algo que também me interessava. No final do Le Samouraï, por exemplo, há uma cena que se afasta de um desses clubes quase ao ponto em que você vê as luzes do filme. Então, quando eu sentava ao piano e tocava esses tipos de acordes, eu pensava muito naqueles interiores de Melville.

Há também este filme chamado Histórias Extraordinárias, que é composto de três curtas com base em histórias de Edgar Allan Poe, filmadas por três diretores diferentes. Fellini fez um deles, e tem
uma cena em um aeroporto com o mais estranho céu laranja lá fora. É fantástico. Também tem uma cena estranha de prêmios com um piso iluminado e um corpo de água ao lado dele e uma banda de psych tocando. É tipo “Como você pensou nisso?”.

 

3 – “American Sports”

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Pitchfork:  O álbum fica um pouco sombrio nessa música, parte disso é devido ao tom da sua voz.

Alex Turner:  Esse vocal foi feito perto do início da gravação dessa faixa em casa. Eu sinto que há uma oportunidade para capturar algo quando você não tem certeza se já o escreveu completamente. Eu tentei substituir os vocais mais tarde, mas eu não conseguia mais fazer do jeito que gostaríamos, então deixamos como estava. Provavelmente não é a coisa mais bem gravada.

Pitchfork:  As imperfeições técnicas em alguns dos vocais me lembram da linha Frank Ocean: “Minha TV não é HD, isso é muito real”. Você parece se inscrever em um ethos similar.

Alex Turner:  Eu vou embarcar nessa, Frank. Você não quer que seja real, quer?

 

4 – “Tranquility Base Hotel & Casino”

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Pitchfork: Você zomba da esterilidade do nosso mundo moderno aqui com uma frase como: “Os avanços tecnológicos realmente me deixam no clima”. Você acha que há algo de sexy na tecnologia?

Alex Turner: Uau. [longa pausa] vou ter que devolver para você. Eu suponho que não.

Pitchfork: Existem algumas pequenas referências à política espalhadas por todo o disco, inclusive nessa música. Mas como você estava escrevendo esse álbum em 2016, você já se sentiu tentado a fazer algo mais abertamente político?

Alex Turner:  Bem, quando você sugere a ideia de fazer algo político, eu imediatamente penso no nó Windsor que você tem que amarrar sua gravata para uma conferência de imprensa; Eu me perco nessa imagem. Embora isso não seja mais o mesmo. Se vamos realmente avançar, temos que mudar o nó – poderíamos prosseguir com isso.

Quanto a fazer algo mais político, acho que a resposta verdadeira é que eu não sei. Mas mais dessas ideias certamente encontraram um caminho para esse álbum do que qualquer coisa que eu tenha feito antes.

 

5 – “Golden Trunks”

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Pitchfork:  Falando em política, há um verso nessa música que parece estranhamente ousado: “O líder do mundo livre lembra um lutador de wrestling usando uma sunga apertada dourada”.

Alex Turner:  Sim, assim que você diz essas palavras, elas roubam o show. Mas eu quase me senti atraído por quão incômoda é a frase “o líder do mundo livre”, especialmente agora. Há algumas coisas que são realmente difíceis de trabalhar foneticamente, mas a música de certa forma permite isso. Neste caso, quando eu começo, [canta grandiosamente] “o líder do mundo livre”, é de repente divertido. É uma espécie de Disney, essa melodia.

Mas vamos falar sobre o resto da música, porque isso é algo que eu realmente não tive a chance de fazer. Essa música é definitivamente centrada em torno de uma personagem feminina, e é a coisa mais próxima de uma música de amor que está nesse álbum. Eu fiz essa personagem, e ela teve essa ideia sobre o que estava acontecendo. A linha chegou até mim através disso; Eu pensei no WWF.

Pitchfork:  Quando você escreveu essa música, você sabia que o Trump já havia participado de uma luta de wrestling profissional?

Alex Turner:  Eu não sabia antes, mas sei agora.

 

6 – “Four Out Of Five”

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Pitchfork:  Esta faixa tem uma tendência sci-fi. É sobre uma taqueria na lua que é chamada de Information Action Ratio, que é uma referência à ideia de como temos tanto conhecimento ao nosso alcance, mas não sabemos bem o que fazer com ele.

Alex Turner: Sim. Eu o tirei de um livro chamado Amusing Ourselves to Death. Fiquei atraído pela ideia assim que ouvi essa frase; apesar de estar neste livro de [1985], ainda parecia relevante – mais relevante do que provavelmente era quando o cara inventou. Eu cantei no gravador quando eu estava fazendo umas coisas um dia, e acabou caindo em um lugar onde a implicação era que era o nome desta loja de taco no telhado de um complexo hoteleiro.

Pitchfork:  Você está tomando uma posição crítica em relação a como estamos perdidos nesse transbordar de informações?

Alex Turner: Eu acho que não necessariamente. Se eu estivesse fazendo isso, provavelmente tentaria definir um pouco melhor, em vez de simplesmente nomear a loja de tacos no telhado depois dela. Eu só acho que é interessante, algo para ficar de olho.

 

7 – “The World’s First Ever Monster Truck Front Flip”

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Pitchfork: O título dessa música é baseado em fatos.

Alex Turner:  Sim, foi uma notícia que saiu um dia e que eu cliquei. É extraordinário. Quero dizer, é definitivamente a coisa mais surpreendente que vi naquele dia. Ele virou para frente!

Pitchfork:  Quantas vezes você assistiu a aquele vídeo?

Alex Turner:  Acho que só uma vez.

 

8 – “Science Fiction”

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Pitchfork: Tem uma coisa metalinguística acontecendo nessa música, quando você canta sobre escrever músicas…

Alex Turner:  … Enquanto a gente revira os olhos.

Pitchfork: Eu curti! A música é como uma ode à ficção científica, o que te agrada nesse gênero?

Alex Turner:  A ficção científica cria esses outros mundos nos quais podemos explorar os nossos, e eu queria escrever algo sobre isso. Então, lendo livros de ficção científica e assistindo a filmes como O Mundo por um Fio, de Fassbinder, comecei a acessar esse tipo de vocabulário – e, de repente, estamos falando de experiências de
cassino na realidade virtual.

Pitchfork: Nessa faixa, você canta sobre fazer uma música que “pode muito bem acabar sendo inteligente demais para seu próprio bem”. É difícil para você desativar essa parte autocrítica de seu cérebro quando está escrevendo?

Alex Turner:  Evidentemente.

 

9 – “She Looks Like Fun”

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Pitchfork: Essa faixa parece ter lugar no reino das mídias sociais, e as palavras aleatórias no refrão – “Bom dia/Cheeseburger/Snowboard” – são semelhantes a ficar acompanhando o Instagram.

Alex Turner: É sobre os personagens que as pessoas criam no mundo virtual. Quanto ao verso de “cheeseburguer”, eu estava realmente assistindo a um episódio do programa High Maintenance, e há uma parte em que a pessoa está tirando uma foto com um cheeseburger e postando e tal. Essa parte da música também me lembra quando você está lendo um livro e tentando entrar nele, mas não consegue parar de olhar para o seu celular. Eu poderia estar fazendo um pouco disso quando estava escrevendo a música.

 

10 – “Batphone”

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Pitchfork: Nessa faixa, você canta “eu lanço minha fragrância chamada Integridade/eu vendo o fato de que não posso ser comprado”. Eu pesquisei e realmente existe uma fragrância chamada Integridade agora.

Alex Turner: Merda. Eu tenho certeza que chequei quando escrevi isso e não existia. Então eu provavelmente vou ter problema com isso, né? Com coisas desse tipo, eu não posso sentar aqui e te dizer que eu queria fazer algum comentário sobre integridade e a minha relação com ela, depois fazer uma porra de perfume e escrever um verso espertinho
assim. É mais como eu enxergo na minha mente a forma das letras de “Integridade” no frasco de perfume – uma vez que você sabe o que essa fonte parece, depois ela se escreve sozinha.

 

11 – “The Ultracheese”

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Você sempre pareceu desconfiado de ser visto como um compositor ponderado, mas esse álbum – e especialmente as letras – parece muito bem pensado, de uma maneira cativante. Você se sente mais confortável nesse papel de compositor agora?

Certamente mais do que quando eu tinha 18 anos. Havia algo envolvido naquela palavra que costumava me deixar desconfortável, mas estou um pouco mais confortável com isso agora.

 

 

Fonte : Pitchfork

Tradução : Rafaela Martins

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